11:10h, 26 de julho de 2021, para profissionais e empreendedores de alimentos
A transição nutricional no Brasil vem ocorrendo em virtude da mudança dos hábitos alimentares, caracterizados pela substituição do consumo de alimentos in natura como cereais, raízes, leguminosas e frutas por produtos ultra processados, compostos por quantidades excessivas de açúcar, sódio e gordura (BRASIL, 2013; BRASIL, 2014).
Nesse contexto, verifica-se que a transição epidemiológica está intrinsicamente relacionada com a transição nutricional, uma vez que no século passado as principais patologias eram causadas por doenças infecciosas e parasitárias bem como por carências nutricionais devido à desnutrição ou má alimentação. A partir das últimas décadas, no entanto, as enfermidades que mais se destacam são as doenças crônicas não transmissíveis como a hipertensão, diabetes, câncer, obesidade e dislipidemia (BRASIL, 2013).
Dentro dessa perspectiva, visando diminuir a incidência das respectivas doenças, têm-se expandido as divulgações acerca de uma alimentação saudável, como incentivo à maior consciência por parte dos consumidores quanto ao consumo de alimento que auxiliem na manutenção do organismo ao invés daqueles que lhe são prejudiciais (BASHO & BIN, 2010). Percebe-se que este incentivo tem promovido, nos últimos anos, a busca por hábitos alimentares saudáveis, o que evidencia o crescente interesse dos consumidores pelos alimentos considerados funcionais, uma vez que estes, além de fornecerem a nutrição básica e energia para o metabolismo, também promovem benefícios à saúde (MORAES & COLLA, 2006).
Para além da busca por uma alimentação saudável, tem crescido a busca por alimentos naturais. Porém a naturalidade dos alimentos é uma construção altamente abstrata.
A indústria de alimentos está enfrentando um rápido aumento na demanda por alimentos “totalmente naturais" e de “rótulo limpo”. Os fabricantes de alimentos e bebidas respondem procurando alternativas para satisfazer o consumidor.
É importante ressaltar que a naturalidade é difícil de ser quantificada ou medida. Além disso, o termo não é claramente definido ou regulamentado e está, portanto, aberto a uma ampla variedade de associações e interpretações individuais. Da mesma forma, o conceito de naturalidade com relação ao alimento é geralmente vago, obscuro e, às vezes, até enganoso para os consumidores.
Apesar das dificuldades em se definir cientificamente a naturalidade, os consumidores parecem não ter problemas em avaliar intuitivamente a naturalidade dos alimentos, o que leva a implicações práticas, ou seja, a importância da naturalidade para os consumidores tem importantes implicações para a indústria de alimentos e pode ter consequências não apenas para o desenvolvimento e comercialização de alimentos, mas também para o desenvolvimento de tecnologias alimentícias inovadoras.
Pesquisam mostram a importância da naturalidade para os consumidores, 70% dos consumidores globais acreditam ser importante que alimentos e bebidas sejam 100% naturais (FMCG GURUS, 2021); e 80% dos latinos afirmaram ter a pretensão de pagar mais por produtos com atributos saudáveis (NIELSEN, 2016). E 59% dos brasileiros afirmam que alimentação saudável se tornou uma prioridade após a crise do Covid (MINTEL, 2020).
Por isso cada vez mais temos encontrado produtos com as palavras chaves: natural, clean label, ecológico e sustentável. Os produtos e ingredientes que contêm essas etiquetas criam demanda entre os consumidores e, portanto, influenciam significativamente a compra. Com isso, os produtos naturais e naturalmente derivados estão crescendo rapidamente, criando um imenso potencial de crescimento para os fabricantes de alimentos e bebidas. As últimas duas décadas testemunharam a conscientização dos consumidores com relação a saúde e a busca por alternativas preventivas, ao invés de corretivas.
Com isso temos percebido um crescimento de ingredientes naturais. E quando é usado o termo ingrediente natural, não apenas é citado sementes e extratos, mas há uma ampla oferta de: antioxidantes e antimicrobianos naturais, que ajudam a preservar o tempo de vida útil dos alimentos, ou agem como ingredientes funcionais, oferecendo benefícios para a saúde. Outros ingredientes naturais incluem vitaminas, fito químicos, carotenoides, proteínas e probióticos, que se destinam a fornecer benefícios funcionais. Esses ingredientes atendem a uma ampla variedade de condições favoráveis à promoção da saúde, desde saúde óssea e articular, saúde cognitiva, controle de peso, saúde cardiovascular e saúde imunológica, até a saúde intestinal (ADITIVOS E INGREDIENTES, 2019).
Os ingredientes naturais também auxiliam na melhoria das propriedades sensoriais e texturais de alimentos e bebidas. Entre os aditivos alimentícios naturais, destacam-se os corantes e saborizantes naturais, que se enquadram na categoria de aditivos alimentícios sensoriais; e os emulsionantes naturais, amidos e gelificantes/hidrocolóides, utilizados para melhorar as propriedades texturais de alimentos e bebidas (ADITIVOS E INGREDIENTES, 2019).
Alguns ingredientes, como os antioxidantes naturais, desempenham um papel duplo, ou seja, são usados como ingrediente funcional, auxiliando no combater a doenças cardiovasculares, imunológicas e cutâneas, e também como aditivo alimentício, promovendo a extensão da vida útil e protegendo os produtos alimentícios contra a rancidez oxidativa (ADITIVOS E INGREDIENTES, 2019).
A indústria de aromas naturais ocupa também uma parcela significativa do mercado de ingredientes naturais; a adição de novos corantes naturais nas bebidas criou novos caminhos para inovações no mercado; e os aditivos texturais naturais padrão, como a lecitina, estão substituindo gradualmente as variantes sintéticas (ADITIVOS E INGREDIENTES, 2019).
Hoje em dia, já uma gama de produtos no mercado com claim ou de informações mais detalhadas na rotulagem, capaz de deixar claro ao consumidor quais são os reais benefícios do produto. Nessa direção proliferou a utilização dos termos “natural”, “puro”, “real” e outros similares. Porém como não há regulamentação para o “natural” diversos produtos têm invadido o mercado podendo não caracterizar que de fato o produto o seja.
Atualmente a Agência Nacional de Vigilância Sanitária – (ANVISA) se manifesta contrária às alegações “produto natural”, “puro”, “original”, “sem aditivos”, “sem conservantes” ou outras expressões equivalentes. Na ausência de normas e diante de sua subjetividade, essas marcas que usam essas alegações estão vulneráveis a questionamentos futuros quanto à consistência entre as formulações de alguns produtos e à proposição de valor ao consumidor.
Autora: Lorena Coimbra
Mestre em Ciências e Tecnologia de Alimentos pela IFRJ;
Engenheira de Alimentos pela UFRRJ;
Especialista em Segurança de Alimentos pela SGS;
Diretora da Foodtech Consultoria;
Sócia fundadora da Hort-e
Referências Bibliográficas
ADITIVOS E INGREDIENTES, Ingredientes naturalmente saudáveis, ed. 160, p. 38-45, 2019.
BASHO, S. M.; BIN, M. C. Propriedades dos alimentos funcionais e seu papel na prevenção 50 Referências e controle da hipertensão e diabetes. InterBio. Grande Dourados, v. 4, n. 1, p. 48-58, 2010.
BRASIL. Ministério da Saúde: Guia Alimentar para População Brasileira. 2. ed. Normas e manuais técnicos: Brasília, 2014.
BRASIL. Ministério da Saúde: Política Nacional de Alimentação e nutrição (PNAN). 1. ed. Brasília, 2013. 86 p
FMCG Gurus, Top Trend 2021 Reports, 2021. Acessado em 15 de julho de 2021: https://fmcggurus.com/top-10-trends-2021-report-sm/
MINTEL, Brazil Healthy Eating Trends Market Report, 2020. Acessado em 15 de julho de 2021: https://store.mintel.com/brazil-healthy-eating-trends-market-research-report
MORAES, F. P.; COLLA, L. M. Alimentos funcionais e nutracêuticos: definições, legislação e benefícios à saúde. Eletrônica de farmácia. Passo Fundo, v. 3, n. 2, p. 109-122, 2006.
NIELSEN, 5 Insights que você precisa saber sobre a América Latina, 2016. Acessado em 15 de julho: https://www.nielsen.com/wp-content/uploads/sites/3/2019/04/EstudoRegional_5InsightsSobreLatAm_PT.pdf
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