09:30h, 10 de março de 2021, para profissionais da área de alimentos
O ozônio tem despontado como tecnologia emergente1 de aplicação em vários produtos alimentícios devido ao seu potencial como agente antimicrobiano contra um amplo espectro de microrganismos, incluindo os esporos (GUZEL-SEYDIM et al., 2004; LAUREANO et al., 2016).
Em termos oxidativos, o ozônio é cerca de 50% mais forte que o cloro, o que justifica seu uso como agente descontaminante, em substituição a agentes tradicionais (BRODOWSKA et al., 2018). Em 1997, o ozônio foi classificado pelo FDA (Food and Drug Administration), dos Estados Unidos, como GRAS (Generally Recognized as Safe), sendo liberado para uso direto em alimentos, desde que usado em níveis e por métodos de aplicação consistentes com as boas práticas de fabricação (FDA, 1997). Já em 2001, o FDA aprovou aplicações de ozônio nas formas gasosa ou aquosa, como um agente antimicrobiano na indústria de processamento de alimentos (FDA, 2001). Desde então, o interesse em desenvolver novas aplicações do ozônio na indústria de alimentos tem aumentado.
Para aplicação industrial, o ozônio é produzido através da exposição de ar, ou outra mistura de gás que contém oxigênio, a um campo elétrico altamente energético (método de descarga corona) (BRODOWSKA et al., 2018). Neste método, uma descarga em forma de filamentos é produzida e quando os elétrons possuem energia suficiente para dissociar a molécula de oxigênio, ocorre a formação de radicais O- altamente reativos que se combinam com moléculas intactas de O2, produzindo o ozônio molecular (O3) (TAPP e RICE, 2012).
O ozônio pode ser usado de forma contínua ou intermitente, aplicado sob a forma gasosa, durante o período de armazenamento, ou dissolvido na água (SIMÕES, 2012). O seu mecanismo de inativação microbiana é complexo, pois ele ataca numerosos constituintes celulares (LAUREANO et al., 2016).
Cada microrganismo possui uma sensibilidade intrínseca à ozonização e, de maneira geral, bactérias são mais sensíveis que leveduras e fungos; bactérias gram-positivas são mais sensíveis do que gram-negativas e, por fim, esporos são mais resistentes do que células vegetativas (PASCUAL et al., 2007). A suscetibilidade dos micro-organismos ao ozônio varia com o pH do meio, temperatura, umidade e presença de aditivos como ácidos, surfactantes e açúcares. Além disso, a inativação ou a redução microbiana depende da concentração de ozônio, do tempo de aplicação e do microrganismo envolvido (SILVA et al., 2011).
Como vantagens, pode-se destacar que, além de sua alta reatividade e difusividade, em pouco tempo após ser produzido, o gás ozônio se decompõe espontaneamente em oxigênio molecular (O2), o que garante o seu completo desaparecimento no ambiente após alguns minutos de tratamento.
Por esse motivo, deve ser produzido no local de aplicação, não necessitando transporte nem armazenamento e não deixando resíduos (LAUREANO, 2015). Além disso, os custos de funcionamento dos sistemas de ozonização são baixos, uma vez que consomem apenas uma quantidade limitada de energia elétrica (VARGA e SZIGETI, 2016).
Por outro lado, é conhecido que a matéria orgânica dissolvida reduz a taxa de desinfecção competindo com os microrganismos pelo ozônio (GUZEL-SEYDIM et al., 2004; VARGA e SZIGETI, 2016). Além disso, em altas concentrações o ozônio pode promover a degradação oxidativa, alterando o sabor e a coloração do alimento (KIM et al., 1999). Brodowska et al. (2018) citou como outra desvantagem da aplicação do ozônio em alimentos a sua baixa aceitação pelos consumidores, que possuem receio de ele seja tóxico. Porém, essa percepção sobre o ozônio por parte dos consumidores tem mudado nos últimos anos e a informação eficaz e abrangente sobre as novas tecnologias e seus benefícios se torna importante para aumentar a confiança do consumidor.
No Brasil ainda não existe legislação específica que oriente aplicações do ozônio na área de alimentos. Segundo consta em Nota Técnica Nº 108/2020 emitida pela Anvisa, “o uso de ozônio para tratamento antimicrobiano (redução da carga microbiológica) na indústria alimentícia, não necessita receber “Autorização de Uso” conforme regulação do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA)” (ANVISA, 2020). Existe apenas uma Norma Regulamentadora (NR) n° 15 do antigo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), que trata de agentes químicos cuja insalubridade é caracterizada pelo Limite de Tolerância (LT), que define que o LT para o ozônio é de 0,08 ppm ou 0,16 mg/m3 para exposição de até 48 horas/semana (BRASIL, 1978).
A aspiração direta do ozônio é perigosa devido à sua alta toxidade aos seres humanos. A inalação do ozônio por curto tempo causa aceleração da respiração, a depender da concentração do gás inalado e do tempo de exposição. Segundo Kim et al. (1999), concentrações de 0,02 a 0,04 mg/L podem ser detectadas pelo ser humano e a exposição prolongada a concentrações iguais ou superiores a 1,0 mg/L pode causar a morte. Uma concentração de ozônio da ordem de 0,1 mg/L pode causar irritação ao nariz, garganta e olhos; uma exposição de uma hora a concentrações de 2, 4, 15 e 95 mg/L pode causar, respectivamente, efeitos sintomáticos, irritantes, tóxicos e letais. Porém, a ingestão de água ozonizada não apresenta altos riscos, pois a meia-vida do ozônio dissolvido na água é relativamente curta (SILVA et al., 2011).
Na indústria de alimentos, o ozônio pode ser utilizado como sanitizante de superfícies e equipamentos, assim como para inativar microrganismos em matérias-primas e aumentar a vida útil de produtos alimentícios (SILVA et al., 2011). Vários trabalhos reportados na literatura científica relatam a aplicabilidade do ozônio em diversos produtos alimentícios como frutas, vegetais, carnes, laticínios, bebidas, dentre outros.
Skog e Chu (2001) avaliaram o tratamento com ozônio em frutas e vegetais armazenados (brócolis, pepino, maçã, pêra e cogumelo). Eles concluíram que doses de ozônio de 0,05-0,4 mL/L foram adequadas para prolongar a vida de prateleira dos alimentos armazenados, sem uma influência significativa sobre a qualidade deles.
Laureano et al. (2016) demonstraram o efeito positivo dos tratamentos com gás ozônio em uvas de mesa e para vinho devido ao aumento da dureza da casca, que pode aumentar a extração de compostos fenólicos.
Muthukumar e Muthuchamy (2013) estudaram a inativação de Listeria monocytogenes em amostras de frango cru e relataram que nenhum crescimento bacteriano foi observado no tratamento com ozônio gasoso a 33 mg/min por 1-9 min.
Em laticínios, a aplicabilidade do ozônio também sido estudada com diversas finalidades como sanitização de superfícies, equipamentos e utensílios, redução das concentrações de poluentes em águas residuais de laticínios, ação fungicida em sala de maturação de queijos, remoção de resíduos de leite e bactérias formadoras de biofilme em superfícies de aço inoxidável e no processamento de leite, incluindo leite fluido, produtos lácteos em pó e queijo, dentre outras aplicações, conforme reportado por Varga e Szigeti (2016).
Um estudo conduzido por Rojek et al. (1995) mostrou uma diminuição significativa (99%) na contagem de psicrotróficos no leite desnatado tratado com doses de ozônio a 5-35 mg/L aplicadas por 5-25 min. Em outro trabalho, Segat et al. (2014) reconheceram a água ozonizada como um desinfetante eficaz da superfície do queijo muçarela. O pré-tratamento da água com 2 mg/L de ozônio resultou em melhora da qualidade microbiológica e prolongamento da vida útil do produto final.
Estudos com microrganismos têm demonstrado que espécies potencialmente patogênicas ou deteriorantes que ocorrem nos sucos de frutas e vegetais podem ser reduzidos em 5 ciclos log após o tratamento com ozônio (TIWARI e MUTHUKUMARAPPAN, 2012).
Tantos estudos sobre a aplicação do ozônio em diversos produtos alimentares permite aferir o potencial do uso do gás como alternativa aos métodos tradicionais de conservação. Os riscos envolvidos na sua utilização podem ser controlados com os devidos cuidados no manuseio do gás, isolamento do local antes da aplicação, monitoramento da concentração do ozônio no ambiente através de sensores e destruição do ozônio na saída das câmaras de fumigação através de dispositivos apropriados.
1 As tecnologias emergentes são aquelas que tem potencial enorme de criar ou transformar o ambiente, o mercado e a sociedade, mas que ainda não se consolidaram (LIGA INSIGHTS, 2021).
Autora: Juliane Laureano
Engenheira de Alimentos, mestre e doutora em Engenharia Agrícola pela Universidade Federal de Viçosa (UFV). Realizou estágio de doutorado (Doutorado Sanduíche) pela Università degli studi di Torino, na Itália. É Especialista em Docência na Educação Profissional e Tecnológica pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Sudeste de Minas Gerais (IFSudeste-MG). Realizou pesquisas com ozônio, produção de vinho, gaseificação de biomassa, desidratação de frutas, extração de óleos e embalagens. Possui experiência como docente nas áreas de Processamento de Alimentos de Origem Vegetal, Tecnologia de Panificação e Massas Alimentícias, Higiene na Indústria de Alimentos, Legislação de Alimentos, Alimentos Dietéticos e Alternativos, dentre outras. Atualmente atua como Consultora em Boas Práticas para a Produção de Alimentos.
Contato: juliane.laureano@ufv.br
Referências Bibliográficas
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